Quando
eu era um menino, lá em Mostardas, tinha um senhor cego que era
padeiro. Sempre que eu ia à escola, enxergava-o indo para a padaria em
seu diário cotidiano
de quem labuta. Aquilo angustiava demais, transmitindo-me um grande
medo. Como era possível alguém conviver na escuridão, sem enxergar nada?
Tinha uma lenda popular por lá que dizia que as borboletas soltavam um
pó causador da cegueira. Era eu ver uma borboleta
para sair correndo pois ser cego era o fim de tudo.
Bom,
o tempo passou e estou hoje na vice-presidência do Conselho Estadual
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, tendo como parceiro de gestão
justamente um cego.
O Roberto Oliveira, como todos aqueles que têm deficiência, me ensina
todo dia.
Quantos medos cultivamos em nossa infância e permanecem por toda nossa vida pela falta de oportunidade de enfrentá-los?
Nas
ultimas semanas por diferentes problemas, tenho convivido com a falta
de luz elétrica. Dizem que é carma de viamonense. Quem me conhece, sabe
meu nível de distração.
Já esqueci terno em hotel, notebook em auditório e carteira com todo o
salário em caixa eletrônico. Sem falar em chaleira no fogo todo dia ou
ferro na tomada. Isto me impede de acender velas quando falta luz pois
me conheço o suficiente.
Por
alguns dias, fiquei dialogando com a escuridão. E, por incrível que
pareça, aprendi com ela. Acostumamos a estar confinados em luzes e
equipamentos eletrônicos
e, às vezes, abandonamos lugares distantes das cavernas de nossa alma. E
a escuridão me desacelerou, onde pude perceber outras coisas, como
reencontrar medos, desejos e amores estranhos. Aquilo que na infância
foi objeto de temor profundo, agora me ensina
a perceber o mundo com outras formas. Lembro-me da beleza da poesia de
Garcia Lorca, que destaca o poeta como um médium da Natureza-mãe que
explica sua grandeza por meio das palavras. No escuro, percebo a
magnitude da palavra que a claridade me impede de sentir.
Jorge Amaro de Souza Borges
Vice-presidente -
COEPEDE
Assessor
- FADERS
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