Leitura em Casa e na Escola, por Dilan Camargo*
A literatura tem uma missão formadora, enquanto o conhecimento tem uma função conformadora. Um menino de dois anos e meio, de uma escola de Educação Infantil portuguesa, depois de ouvir a leitura de poemas por sua professora, e estimulado a se expressar, disse: “Se eu não existisse, eu ficava triste”. Essa criança, mesmo sem estar alfabetizada, foi capaz de criar um belo e profundo verso. Isso mostra o quanto já nascemos lendo e nos expressando diante da vida e do mundo. As crianças nascem e logo aprendem a ler as pessoas e objetos ao seu redor. Aprendem a interpretar fatos e emoções, principalmente em sua profunda interação afetiva com a mãe ou com sua cuidadora. Pais e especialistas em educação sabem a importância do estímulo linguístico na formação de uma criança. Este é passado aos bebês pela fala afável, pelas cantigas de ninar, e até mesmo por sons ininteligíveis, mas dirigidos à sua atenção. Para os maiorzinhos, o estímulo linguístico faz-se através da contação de histórias de encantamento, magia, mistério, medo, aventura. E da leitura de poesia, pois esta liberta a nossa capacidade de expressão.A leitura para as crianças, ou a leitura feita por elas mesmas, em casa ou na escola, não precisa de técnicas sofisticadas. Precisa apenas dela mesma, da leitura em si, do ato de ler um texto, de preferência em voz alta. Em alto e bom som. Pais e professores, quando forem ler para os seus filhos ou seus alunos, precisam apenas entregar-se, com alegria e arte, a esse momento único de comunhão humana entre gerações. Os adultos visitam a sua infância e as crianças aprendem a confiar no mundo adulto. Já a leitura feita pelas próprias crianças, em casa ou na escola, precisa apenas de um livro na mão e de muita imaginação na cabeça. Pode ser acompanhada de uma intermediação sensível e inteligente dos pais ou da professora, sem interferência nas formas e nos ritmos do ato de leitura de cada um, junto com um suave e lúdico encorajamento. Os educadores e os pais mais dedicados sabem o quanto é necessário, em todo o período da infância, seja nas famílias ou na educação infantil e nas séries iniciais, despertar, vivenciar, enriquecer e ampliar a capacidade linguística da criança. Esta vai se constituir num fundamento cognitivo determinante para o seu bom desenvolvimento em todas as etapas da sua vida e em todas as áreas do conhecimento. As crianças apresentam-se à vida e ao mundo com a sua imaginação, espontaneidade, pureza, percepção mágica e intuitiva, e com um repertório linguístico ainda pouco contaminado por outras linguagens empobrecidas de conteúdo e sentido. Estão abertas para a experiência e o aprendizado da língua viva, propiciada apenas pela boa literatura. Sempre é preciso lembrar a observação da professora Regina Zilbermann de que a literatura tem uma missão formadora, enquanto o conhecimento tem uma função conformadora. A harmonia e o equilíbrio entre ambas dá-se pela capacitação linguística das crianças, adquirida através da leitura literária, se possível, diária. A literatura, para grandes e pequenos, ensina-nos que uma vida simples e boa é sempre um caminho de aprendizado e não uma pista para se baterem recordes.
*Escritor, cientista político
Fonte: Zero Hora
sábado, 6 de novembro de 2010
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